A co-adopção (ou a questão que não existe).


A co-adopção (acto pelo qual se estabelece a relação jurídica de filiação com o filho do cônjuge ou do unido de facto), nos últimos dias, tem-se manifestado na nossa sociedade como uma questão polémica que rapidamente passou da esfera, estritamente, política para as redondezas do nosso estado social e que tem exigido, para a sua melhor compreensão, a convocação de todas as áreas (nomeadamente, da Psicologia e da Sociologia). No entanto, sendo de origem político-jurídica, cabe-nos abordar o tema de uma forma predominantemente jurídica.

Será pertinente relembrar os leitores que o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi admitido pela Lei 9/2010 de 31 de Maio. Essa mesma lei, no seu artigo 3.º, tem o cuidado de esclarecer (com grande obstinação) que de forma nenhuma se justifica que se retire das suas normas (alterações que estabelece para o Código Civil) a permissão da adopção por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo.
O tema da adopção ganhou ainda mais relevo com o projecto de lei (n.º 278/XII) do Partido Socialista, onde se consagrava a possibilidade de co-adopção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo. Este projecto de lei teve em conta que a adopção singular é permitida, independentemente da orientação sexual do adoptante, mas já não a adopção conjunta por um casal do mesmo sexo (vedada, como já se viu, pela Lei 9/2010 e, no âmbito da união de facto, pelo artigo 7.º da Lei 7/2001 de 11 de Maio). Não faz sentido, aos olhos dos proponentes, outra realidade que não esta, já que desta forma se acautela o futuro de crianças que já existem no seio de uma família, com quem vivem diariamente e a quem já estão emocionalmente ligadas, estando, contudo, apenas ligadas pelo vínculo do parentesco a um dos elementos do casal.

Falta apenas, e agora dizemos nós, o Direito ratificar esta situação que já o é, de facto. Mais do que uma questão de discriminação, de valores e desvalores, parece-nos uma questão intuitiva e clara. Senão vejamos: o regime da adopção (DL 185/93 de 22 de Maio) torna a extensão do vínculo parental (porque a denominação “co-adopção” não nos parece tão própria) possível para os casais de sexo diferente; estabelece a prevalência do interesse da criança; estabelece os requisitos necessários para alguém poder adoptar; prevê o processo de adopção; prevê todos os cuidados a ter naquela que será uma fase de extrema importância na vida de uma criança adoptada. Isto é, o regime já existe, a extensão do vínculo parental é apenas uma aplicação ipso iure do regime da adopção para as famílias que têm, na sua base, um casal constituído por duas pessoas do mesmo sexo. Parece-nos assim tão simples. Parece-nos simples sujeitar os candidatos a adoptantes a tudo aquilo que o regime já prevê, independentemente da sua orientação sexual; sujeitá-los às mesmas negações e às mesmas admissões.

O Direito será o que nós formos e nós somos uma sociedade que já chegou à conclusão que a permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo é a decisão mais justa a tomar, que a adopção pode ser feita por uma pessoa homosexual. Nós somos, inquestionavelmente, uma sociedade que, acima de tudo, vê a sua prioridade no interesse da criança adoptada e que sabe que esse interesse estará protegido no seio de uma família com o aconchego e com a capacidade de amparo que são característicos de uma boa família; essas características não serão, com certeza, anuladas pela orientação sexual dos pais.

O Direito será, inevitavelmente, reflexo disso.

Porto, 1 de Março de 2014.

Ana Duarte

Os gatos não têm vertigens.


Enquanto olhares para mim eu sou eterna,
estou viva enquanto ouvir a tua voz.
Nós somos um instante no infinito,
fragmento à deriva no universo,
o que somos não é para ser dito.
O que sinto não cabe num só verso.

Clandestinos Do Amor - Ana Moura